domingo, 22 de março de 2009

Anuncia-se o mais dramático dos cenários climáticos



http://www.ecodebate.com.br/2009/03/20/anuncia-se-o-mais-dramatico-dos-cenarios-climaticos/

A nove meses da Conferência de Copenhague – para quando a comunidade internacional se fixou um último encontro para chegar a um acordo sobre um plano de redução dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global – nada garante que um acordo seja encontrado. Foi na esperança de conjurar um possível fracasso que cerca de 2.000 cientistas, entre os quais se encontram os mais eminentes climatologistas do mundo, se reuniram entre os dias 10 e 12 de março na capital dinamarquesa.

A reportagem é de Laurence Caramel e publicada no jornal francês Le Monde, 13-03-2009. A tradução é do Cepat.

“Imagine um avião cuja probabilidade de chegar ao destino seja de 10%. Você embarcaria nele? Evidentemente que não…”. Stefan Rahmstorf, do Instituto Potsdam de Pesquisas do Clima, adora esta metáfora para explicar o que está para acontecer: desde o último relatório do Grupo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em 2007, há 90% de probabilidades de que o homem esteja na origem da transformação do clima que ameaça os grandes equilíbrios planetários.

Ora, tudo se passa como se os governos ainda se perguntassem sobre a possibilidade de embarcar neste avião fadado à catástrofe. Em Copenhague, a comunidade científica quis demonstrar pela última vez, antes do fim das negociações, que não há lugar para a dúvida. “Nós acumulamos muitos dados desde o último relatório do IPCC, em 2007. Queremos que os governos decidam com base em conhecimento de causa”, explicou Katherine Richardson, da Universidade de Copenhague, uma das nove Universidades que estão na origem deste encontro.

As conclusões do IPCC se apóiam em dados que remontam à metade de 2005. Considerando o peso desta organização, que reuniu 2.500 pesquisadores de 130 países e cujo conjunto de publicações é submetido ao consenso, o próximo relatório não será publicado antes de 1014. “As últimas observações confirmam que o pior dos cenários do IPCC pode se efetivar. As emissões continuaram a aumentar fortemente e o sistema climático já está evoluindo fora das variações naturais dentro das quais as nossas sociedades e as nossas economias se construíram”, afirmou o comitê científico da Conferência. As previsões do IPCC antecipam um aumento das temperaturas entre 1,1 ºC e 6,4 ºC no final do século em relação ao período pré-industrial.

Stefan Rahmstorf apresentou um estudo segundo o qual o nível dos oceanos poderá aumentar entre 75 cm e 190 cm até 2100. Ou seja, um nível bem superior às previsões do IPCC que variavam entre 18 cm e 59 cm. Estas previsões – e o IPCC tomou cuidado para destacá-lo – não levavam em conta a evolução das calotas glaciares da Groenlândia e da Antártica. Ora, seu papel seria na realidade maior, através do degelo dos glaciares, mas sobretudo por seu “mergulho” no mar. “Esse fenômeno é muito mais massivo e rápido que pensávamos”, confirma Eric Rignot, professor da Universidade de Irvine, na Califórnia.

Lucka Kajfez Bogataj, da Universidade de Liubliana (Eslovênia), analisou o conjunto dos estudos climáticos que apareceram ultimamente. Ela concluiu sem hesitar: “O impacto do aquecimento é mais precoce e mais rápido que o previsto”. Entre 1990 e 2006, o mundo conheceu os treze anos mais quentes desde 1880, que marca o início da era industrial, cita ela.

Especialista em ecossistemas, Andreas Fischlin, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, coincide em seu raciocínio: “Os ecossistemas armazenam 25% das emissões mundiais de carbono. Esta capacidade de armazenamento deverá chegar ao seu ponto máximo aproximadamente em 2050, antes que os ecossistemas fragilizados pelo aquecimento invertam o sinal passando a contribuir na emissão de CO2 na atmosfera agravando assim o fenômeno. Esse problema é muito mais importante do que pensávamos há cinco anos”.

Aquilo que os cientistas chamam de tipping points, ou seja, os limiares para além dos quais as consequências do aquecimento se tornam irreversíveis e incontroláveis, poderia ser mais baixo. “Nós pensávamos que a sobrevivência dos ursos polares estaria ameaçada a partir de um aumento das temperaturas de 2,8 ºC; é provável que isso já seja verdade a partir de 1,5 ºC”, adianta Andreas Fischlin.

A riqueza dos hotspots (“pontos quentes”) da biodiversidade, aquelas regiões que concentram quantidades de espécies raras ou endêmicas, estaria em perigo a partir de um aquecimento de 1,6 ºC. “Os novos modelos de que dispomos nos mostram que muitos dos umbrais de ruptura se encontram na faixa dos 2 ºC a 3 ºC. E que seria preciso guardar uma distância segura para não correr o risco de se aproximar dele”, continua o pesquisador. Nicholas Stern, autor do célebre relatório sobre “a economia da mudança climática”, indicou que “o custo da omissão será superior àquele apresentado em 2006”.

Presente em Copenhague, o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, manteve-se reservado, mas a nove meses do fim do prazo, julgou “útil que esta Conferência lembre aos políticos que existe uma crise mais grave que a crise econômica”.

James Hansen, o célebre meteorologista da NASA que foi um dos primeiros a alertar, em 1988, para os perigos do aquecimento, foi mais direto: “É preciso que a opinião pública esteja certa de uma coisa. Os cientistas são claros. Não existem grandes incertezas sobre o filme que está diante de nós. E os políticos não podem se esconder atrás da pretensa falta de conhecimentos para não agir”. Falando claramente, os cientistas fizeram a sua parte. Resta aos políticos fazerem a sua.



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