segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

SOL - Face Oculta - Jornalistas no puzzle dos negócios

http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=163382&dossier=Caso%20Face%20Oculta&tab=community
Por Ana Paula Azevedo e Felícia Cabrita
Nas conversas interceptadas a Armando Vara e Paulo Penedos – que os magistrados que investigam o caso Face Oculta consideraram conter «indícios muito fortes» do crime de atentado contra o Estado de Direito e de um plano do primeiro-ministro para controlar a TVI e outros órgãos de comunicação social – há jornalistas que são referidos como peças estrategicamente colocadas.

De resto, os órgãos de comunicação social dividem-se em duas categorias: os que estão com o PS e os que constituem a «imprensa hostil».
Isto mesmo é comentado no dia 17 de Junho de 2009, numa conversa interceptada a Paulo Penedos. Ao final da noite, Penedos tem como interlocutor alguém que surge identificado nas escutas apenas como «Luís».
Penedos informa-o que estão em curso grandes mudanças nos media – e descreve-lhe os negócios iminentes (compra da TVI e saída de José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes e mudança de proprietário no Correio da Manhã).
Pelo meio, Penedos e o seu interlocutor falam da imprensa que lhes é «hostil» – «o SOL, o Expresso, a SIC, a Renascença, a TVI e o Público».
No dia 20, quando os termos da compra da TVI pela PT já estão negociados e Rui Pedro Soares se prepara para viajar para Madrid, mandatado para assinar o contrato com a Prisa, Paulo Penedos e Rui Pedro Soares discutem quem ficaria à frente da estação e da Media Capital.
Rui Pedro diz que «uma das razões para ser a PT a comprar» é ele próprio «poder ir» para a estação. Diz que até já «está escolhido o director de informação – o Paulo Baldaia», director da TSF (do grupo Controlinveste de Joaquim Oliveira).
Penedos diz que esta escolha é «inatacável» e lembra que o jornalista «é dado como próximo do Tó-Zé» (referindo-se a António José Seguro, de quem Baldaia foi assessor de imprensa quando era secretário de Estado no Governo de Guterres).
Além disso, acrescenta, tem tido «muita visibilidade com o Diário de Notícias», cujo director, «João Marcelino, puxou muito pelo gajo».
Rui Pedro Soares responde que «vai ser muito importante porque o João Marcelino é amigo do gajo, temos o Lusomundo tratado [ou seja, o grupo DN/JN/TSF], e ele também é muito amigo do Vasconcellos, do Mora e do António Costa» (referindo-se, respectivamente, a Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, presidente e vice-presidente da Ongoing e administradores não executivos da PT, e ao director do Diário Económico).
‘Isso é pressão’, acusa director do jornal i
Quando surgem os primeiros rumores de que a PT está a negociar a compra da TVI, os jornalistas, nomeadamente os da área económica, começam a fazer perguntas.
Um deles é Martim Avillez Figueiredo, director do jornal diário i. Na noite do dia 22 de Junho, o jornalista queixa-se a Paulo Penedos da atitude de Rui Pedro Soares: depois de o confrontar com as informações que corriam sobre negócio, o administrador da PT «foi telefonar para Francisco Santos [administrador do i], a reclamar das perguntas».
«Rui Pedro não mediu o que fez, a verdade é que o negócio está iminente», «o que ele fez chama-se pressão e isso não se faz» – queixa-se Martim, acrescentando que não percebe os socialistas: «Em vez de fazerem uma ponte só destroem».
Sabendo que a notícia sairá mais tarde ou mais cedo e que vai ter o efeito de uma bomba no plano político, alguém se encarregou de dar informações para baralhar.
À uma hora da madrugada de 23 de Junho, depois de verem nas televisões as primeiras páginas dos jornais que na manhã seguinte estariam nas bancas, Paulo Penedos e Rui Pedro Soares comentam o título do Diário Económico, de que a espanhola Telefónica estava na corrida pela TVI.
Paulo pergunta se, «quando eles referem Telefónica, querem dizer PT». Rui Pedro confirma e diz: «Correu bem, vamos ver o que temos amanhã. Pelo menos a notícia já não vai de chofre».
Notícias no mesmo sentido saíram também em Espanha. Ao final da manhã, antes de partir para Madrid, o gestor da PT quer saber como Paulo Penedos «sente a imprensa». Concluem que a ideia de «guerra entre empresas» tinha pegado.
Mas naquele dia o i noticiava já a venda da TVI com os devidos contornos: «PT, Ongoing e Controlinveste lutam pela TVI». Ao início da tarde, Martim Avillez Figueiredo diz a Paulo Penedos que não acredita «na versão Telefónica», que «não passa de lóbi da PT para justificar internamente ou publicamente o negócio com a TVI». Em suma, na sua opinião, «é uma notícia de lóbi colocada».
As notícias obrigam a PT a fazer um comunicado à CMVM (Comissão de Mercado de Valores Imobiliários), admitindo que está a negociar com a Prisa.
Notícias de Espanha: «é decisivo»
No dia 24, quando já todos os jornais falam do negócio, Rui Pedro Soares continua em Madrid e comenta ao telefone, com Penedos, as reacções em geral e dentro do PS. Falam então de Afonso Camões, recém-nomeado pelo Governo presidente da administração da agência noticiosa Lusa, e da «informação que há sobre o gajo no mercado». Camões era até aí administrador do DN (grupo Controlinveste) e Rui Pedro Soares diz que, «no mercado, sabem que ele é um próximo do chefe» (José Sócrates).
De Madrid, Rui Pedro Soares pede a Penedos que contacte Sónia Teixeira da Mota, do escritório de advogados de José Miguel Júdice, para esta pedir à agência de comunicação que lhes faz a resenha de imprensa para enviar as notícias «que já tenham saído em Espanha sobre a Telefónica a fazer um acordo com a Prisa». Depois, Penedos devia enviá-las rapidamente para Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, pois isso «é decisivo».
Paulo Penedos cumpre a ordem e faz depois um telefonema a Rafael Mora, a pedir o email para onde podia enviar-lhe as notícias.À noite, comentam a cobertura que as televisões estão a fazer dos acontecimentos (nomeadamente, a intervenção de José Sócrates no Parlamento, a negar que soubesse de algum negócio e depois Ferreira Leite a dizer que o primeiro-ministro tem de saber). Para Penedos, «a SIC adoptou uma postura mais dura». E, pelo telemóvel, põe Rui Pedro a ouvir a entrevista da líder do PSD na SIC Notícias.
No dia 26 de Junho, Vítor Baptista, deputado e líder do PS-Coimbra, comenta com Penedos a intervenção de Cavaco Silva, que exigira explicações e «transparência nos negócios» à PT. «Desde quando o Presidente da República fala de empresas cotadas na Bolsa?», questiona. E pede a Paulo Penedos algumas ideias, pois vai escrever um artigo sobre o assunto.
Penedos sugere que deve lembrar «a postura de Jorge Sampaio» aquando da «reestruturação do sector energético», em que chamou as partes envolvidas e ouviu toda a gente no recato de Belém, ao contrário do que Cavaco Silva acabara de fazer.
O artigo de Baptista (intitulado «A surpresa do Presidente da República») seria publicado no Diário Económico e no jornal As Beiras. «A intervenção pública, excessiva, do Presidente da República, num momento destes e a cerca de poucos meses de eleições legislativas, corre o risco de ser interpretada como sendo mais um agente activo e interessado na luta política partidária», escreve Baptista.
‘O SOL está porreiro’
Penedos comenta também com Rui Pedro Soares as notícias desse dia 26.«A imprensa está boa», diz Rui, «até o SOL está porreiro».O SOL dizia então que a saída de José Eduardo Moniz da TVI tornara-se inevitável no último ano devido às pressões da Prisa, aos cortes na publicidade e às dificuldades em termos de financiamento bancário, faltando apenas acertar o valor da indemnização.
E dizia ainda que só a pressão política gerada pelas intervenções de Cavaco Silva e dos partidos da oposição fizera o grupo espanhol recuar – uma informação incompleta à luz do que se sabe hoje com estas escutas, em que se verifica que, nessa altura, José Eduardo Moniz ia sair, sim, mas pela mão da administração da PT, que pretendia que assinasse um contrato de consultor do grupo.
Um contrato que, como Rui Pedro Soares afirma nas conversas com Penedos, tinha de estar assinado antes de a PT fechar definitivamente o negócio com a Prisa.
Nesse mesmo dia, mais à noite, Penedos lamenta-se a Abílio Martins, director de comunicação da PT: «As pessoas que falam da crise do tempo do Governo do bloco central esquecem-se que naquela altura não havia quatro canais de televisão, internet, blogues» e que, por isso, «a possibilidade de controlar as coisas era muito maior».
paula.azevedo@sol.pt e felicia.cabrita@sol.pt

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