quarta-feira, 30 de setembro de 2009

JN MARIA CLÁUDIA MONTEIRO - "O jornalismo pensa cada vez menos"

Vasco Ribeiro concluiu que apenas um terço das notícias são feitas por iniciativa das redacções
JN 2009-09-20
http://jn.sapo.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1366775
Foi enquanto investigador da área da Assessoria de Imprensa que Vasco Ribeiro, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, analisou a influência das fontes no noticiário político, produzido ao longo de 15 anos, pelo "Correio da Manhã", "Diário de Notícias", "Jornal de Notícias" e "Público".
No livro "Fontes Sofisticadas de Informação", editado esta semana, o também responsável pela Comunicação e Imagem da Reitoria do Porto explica porque é que os jornalistas fazem maioritariamente "coberturas induzidas" e aponta soluções.
Concluiu que só um terço das notícias políticas são feitas por iniciativa das redacções. Quem faz os outros dois terços?
Se os jornalistas fizessem um diário perceberiam que acordam e levam com um "press release" para ir cobrir uma conferência de Imprensa do presidente da câmara em A, depois vão à inauguração de uma exposição B, depois vão fazer a cobertura de um sindicato que vai fazer uma conferência de Imprensa. Todo o dia nisto. Do ponto de vista da investigação não posso provar, mas mesmo as manchetes são dadas por fontes muito bem colocadas, por políticos e assessores, e não com o objectivo do mero interesse jornalístico.
E como é que explica esta forma de fazer jornalismo?
O jornalista só faz cobertura induzida. O problema é que o jornalismo não pensa e, infelizmente, tem vindo a pensar cada vez menos. Não há um jornalista a pensar numa redacção, que não seja bombardeado com pressões, com telefonemas, com as pseudo fugas de informação, alguém parado para ouvir as pessoas e para fazer um jornalismo na sua essência mais pura. Isso não acontece, nem acontecerá...
Porque?
Porque o jornalismo é, nada mais nada menos, do que o espelho de toda uma estrutura económica, social e política em que nós estamos inseridos. O jornalismo não é, nem nunca foi contrapoder.
Mas não é isso que as pessoas esperam do jornalismo?
O problema é que as pessoas esperam demasiado. Devia-se aprender nas escolas que o jornalismo é um ponto de vista, é uma informação muito efémera e evasiva... Os portugueses ainda não estão habituados a olhar para a Comunicação Social como um ponto de vista, mas como algo que é realmente verdade.
Outra das conclusões a que chegou foi que o consumidor não detecta a intervenção destas fontes sofisticadas na produção das notícias.
O "off" é uma das ferramentas mais poderosas do jornalista ou muitas vezes não tem acesso à informação. Não aparece também porque as próprias organizações preferem que seja o jornalista a dizer algo que é do interesse delas. E os jornalistas continuam a ter algum preconceito em citar um assessor de Imprensa. Só 1,3% das notícias analisadas identificava o porta-voz, o assessor, o relações públicas. Para mim, é fantástico, mas acho que o leitor fica a perder.
E quem fica a ganhar?
As instâncias do poder ficam sempre a ganhar, o que mais uma vez prova que o jornalismo é um espelho claro da estrutura social e política. Como é que os jornalistas se preparam para combater isto: com mais jornalismo de investigação e com mais gente a pensar nas redacções.
E com mais jornalistas com cabelos brancos nas redacções?
Um jornalista com "know-how" nas áreas onde trabalha, à partida, será melhor do que um que entrou há três ou quatro anos. É esse também o alerta que se faz: é preciso haver mais jornalismo de investigação. Porque o que falta muitas vezes nas redacções é a noção de memória. Quantas vezes nós embrulhamos acontecimentos que já foram embrulhados não sei quantas vezes e que sistematicamente vão saindo porque não há memória...
Como são vistos, hoje, os assessores de Imprensa?
O assessor de imprensa é visto com alguma desconfiança - e daí o termo "spin doctors" usado em Inglaterra no sentido de malabarista... Em Portugal, existe a ideia de que é alguém próximo do poder. Mas já há algum tempo que não só o poder público, como as empresas, o contrapoder e os ambientalistas usam assessores e relações públicas com técnicas apuradíssimas. E vemos os sindicatos, os próprios hospitais e os tribunais a terem técnicos de comunicação.
Os partidos utilizam estas fontes sofisticadas de informação de igual forma?
Todos os partidos utilizam, sendo que o PP e o BE são os mais agressivos e os que têm um discurso mais descontraído, menos institucional e menos cinzento do que os partido de poder.
Como avalia a acção do Governo socialista em termos de utilização dos "spin doctors"?
Este Governo não está a fazer nem mais, nem menos do que outros tentaram fazer. Qualquer Governo vai querer, por mais que diga que não, intervir e controlar o processo noticioso. Mas o mesmo acontece por parte dos órgãos de Comunicação Social que vão querer ter peso no processo de decisão política de um partido e de governação de um determinado Governo. É que os dois, de alguma forma, lutam pelo mesmo espaço: o espaço público.

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