Columbofilia é o 2.º desporto nacional, mas faltam-lhe leis desde a II Grande Guerra
JN - 20090628
JOSÉ MIGUEL GASPAR
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1279136Cinco milhões de pombos, um pombo por cada dois portugueses: é a extraordinária média do nosso país, uma potência mundial da columbofilia. Mas o desporto, que arrasta 18 mil federados, é um viveiro de contradições e um espelho perfeito do absurdo Portugal das paixões.
Germano Ribeiro, advogado, 30 anos, apaixonado por pombos desde o meio da sua vida, é um herói e um vilão - mas ele sozinho está a desafiar o curso da columbofilia em Portugal.
Deve-se isto tudo a uma constatação: "É muito simples, legalizar um pombal, na prática, é impossível. E toda a gente sabe disso", diz o pombeiro com desassombro. "O que é que isso quer dizer? Que os 18 mil pombais que há no país [número de registos na Federação Portuguesa de Columbofilia] estão todos ilegais. Sim, ilegais".
Se a culpa é sempre um sentimento solteiro, a responsabilidade, essa, é colectiva: as duas leis que regem a pomba e o pombal (ver ficha) não são só antigas, vagas e inadequadas; estão também mancas pela falta da posterior portaria que regulamenta a edificação dos pombais.
"Está tudo no artigo 5.º, parágrafos 1 e 2 da Lei 36763, de 26 de Fevereiro de 1948", sabe de cor aquele columbófilo. "Aí ficou definido que a competência de legalização do pombal, depois de observada a lei do Regime Geral da Urbanização e Edificação, pertence à Federação. Mas acontece uma coisa muito simples: o regulamento existe, mas nunca foi submetido a Portaria. Este surrealismo - protege-se o pombo com o estatuto de Utilidade Pública, mas esquece-se que é preciso legalizar a sua casa - já dura há 61 anos. Até aqui, o legislador nunca se pronunciou da matéria".
Ao mesmo tempo tranquilo e alvoroçado, tal e qual como o desporto que defende, Germano Ribeiro cria e adestra pombas a partir de Vilar do Paraíso, 'cluster' pombalino de Vila Nova de Gaia, "provavelmente a cidade do mundo com maior número de columbófilos por metro quadrado; somos uns três mil, mais do que no Porto, que só terá aí mil".
Mas foi justamente ali, no pleno Paraíso, que se gerou há 13 anos a agitação que faz de Germano um façanhoso herói e um rústico vilão, como se ele fosse o bem e o simultâneo mal, o gentil doutor Jekyll e o sinistro senhor Hyde.
Outra vez, a questão é simples para um pombalino: "Construí o meu pombal em 1996, um pombal como os outros, igual aos demais, mas alguém apresentou queixa na Câmara contra mim. Como o laxismo muitas vezes é lei, não aconteceu nada, não me preocupei".
Até 2004. "Aí fui notificado: o meu pombal estava 'fora do enquadramento histórico, urbanístico e paisagístico da região' e impunha-se a demolição". Ele alarmou-se e respondeu à altura da indignação: interpôs uma providência cautelar que congelou o avanço dos tractores e da escavadora da destruição, seguindo-se um ir e vir de recursos, audiências, pareceres, transtornos, ataques, telhados de vidro.
Isolado no meio de iguais - "o meu pombal é como os outros, 30m3, madeira e alvenaria, um belo albergue de 300 pombos, porque é que tenho que o demolir?" -, Germano Ribeiro sentiu-se o expiatório. E reagiu à queixa com maximização: fez do seu caso a colectividade e meteu toda a gente ao barulho, queixando-se ele mesmo de 300 pombais de Gaia, acusando-os de igual nulidade.
Estávamos em 2006 e o duelo entre ele e os iguais foi uma grande confusão: transtornos, ataques, traição!, desinteligências, pequenas altercações. Mas, mais uma vez, a atitude laxista, que nos leva a minimizar as ordens morais, regeu - e tudo ficou parado nos pendentes.
Mas o caso continuou a voar. Com notificações a correr para 300, Germano Ribeiro, o columbófilo advogado, outra vez, maximizou: em 2007 meteu uma Acção Popular no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra a Câmara de Gaia, envolvendo definitivamente os três mil ilegais. Em dois anos nada aconteceu, ninguém foi notificado, ninguém se anunciou.
"Não sei, não faço ideia. Creio que não se vai passar nada. Acho que vamos ficar por aqui, tudo metido naquela pasta da vida que se arruma e escreve à frente: o tempo que o resolva".