terça-feira, 12 de maio de 2009

..............A Praça do Comércio...............

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1.
Quanto ao projecto de arquitectura apresentado agora para o Terreiro do Paço, saliento a opinião sábia do Arquitecto Ribeiro Teles, pela sua lucidez:
"O arranjo da praça deve ser o mais simples possível, porque ela já tem força e majestade por si própria". Daí as reticências do paisagista em relação ao pavimento da placa central: "Acho-o um bocadinho folclórico".
2.
E cito a jornalista quanto à posição do autor do projecto:
“Também por questões de escala, Bruno Soares pensa não ser de voltar a colocar no local as árvores que já lá existiram no final do séc. XIX: se fossem suficientemente imponentes tapavam os edifícios; se fossem demasiado pequenas ficariam ridículas numa praça tão grande.”
3.
Pensam a praça ao nível do “postal” que com a obra vão conseguir fazer. Mesmo no que se refere às árvores; não percebem para que servem as árvores para além do “postal” que com elas conseguem ou não fazer!
A este nível isto é incrível (talvez as árvores mereçam mais estar lá no Terreiro do Paço que eles próprios!).
Não querem saber da vivência, da alma da praça, nem em que funcione efectivamente como uma praça (a principal do país), ou seja, tratam esta praça da mesma forma que se trata uma superfície comercial.
É que se se força a afluência para actividades pontuais, passa a funcionar como uma romaria periódica. E as romarias não se fazem às praças, mas sim aos santuários, que são coisas totalmente diferentes, que é o que aparenta ser o que aqui está a acontecer.
4.
Não respeitam o património daquele local, o destino para que foi criado, a função efectiva que desempenhava naquilo que Portugal geria à data pela escala de um grande terreiro, “A Praça do Comércio”, o local referência, ou melhor, a confluência de um império. Era o expoente da vida urbana, utilizada por todos, e para todos, desde o mais pobre ao mais rico. Não era um palco de vaidades, que é aquilo em que se está a querer transformar aquilo que é uma praça e que deveria constituir um local de confluência da vida social comum, respeitando-se o património, utilizando os meios urbanos perenes e acolhedores, que crescem e evoluem connosco.
5.
Nada melhor que as árvores para desempenhar essa função.
Não muitas, estruturadas de forma simples, integradas na geometria do plano, motivando o estar, o conviver, o relaxamento, favorecendo o encontro; reduzindo a aridez de um espaço com esta amplitude, mas sem demasiado porte.
6.
E claro, então podia também com todos os restantes meios que o “urbanismo comercial” e as novas tecnologias motivam e complementam agora na sociedade, mas sem deixar perder a dignidade deste magnífico património que nos foi legado.
7.
Com tudo o que está agora previsto envergonhamos a lição de funcionalidade que, à data, foi dada ao mundo por Carlos Mardel e Eugénio dos Santos no plano da Baixa, quando criaram aqui “A Praça do Comércio”, e a designação que lhe foi dada diz tudo quando a vida urbana que aí se motivou.
8.
Vejamos: estão a programar a amplitude pavimentada, libertando-a, para carregar o solo com as actividades de “urbanismo comercial” a implementar conforme cito - In OJE (23/4/2009):
“O consórcio CB Richard Ellis/Innovagency ganhou o concurso promovido, pela sociedade Frente Tejo, para desenhar a solução de urbanismo comercial para a Praça do Comércio (Terreiro do Paço), em Lisboa. Este projecto tem como objectivo devolver uma dinâmica a uma das maiores Praças da Europa, através de movimento comercial, cultural e turístico, dentro dos melhores e mais avançados parâmetros de qualidade urbanística e comercial a nível mundialEste projecto promovido pela Frente Tejo procura concretizar uma visão ambiciosa para o futuro do Terreiro do Paço, desenhando e implementando um conceito inovador e contemporâneo, com relevância temporal contínua, assente na multifuncionalidade dos espaços. O Projecto enquadra duas vertentes fundamentais: a de desenho da estratégia comercial e a de definição do modelo de gestão e exploração da oferta e do espaço urbano sob um conceito e uma marca integradores. A área de intervenção do projecto integra o piso térreo dos edifícios que constituem o conjunto monumental do Terreiro do Paço, incluindo os torreões Nascente e Poente, num total de 18 mil m2 de área coberta, bem como o espaço público do Terreiro do Paço, nomeadamente a praça e os claustros interiores dos edifícios.”
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9.
Há uma parte importante do projecto que parece estar bem feito e que é fundamental para que a obra no local resulte: é que estejam de facto eliminados os conflitos viários. Foi pena não haver um esquema da circulação a acompanhar as imagens do projecto.
10.
Mas como o método está a ser: - vir servindo aos poucos a discussão do projecto, consumando-o em obra (uma prática que já faz escola entre os nossos políticos)! ... reticências! ...
11.
Para além do desvio do trânsito, o importante é o ESPAÇO a tratar (e não apenas um pavimento)!
Significa isto que não se trata de colocar mais ou menos exposições, esplanadas, arabescos ou pelintrices: tratem a PRAÇA, à escala das pessoas que a devem utilizar, como confluência de todo o país, utilizem as árvores e consigam-lhe uma alma duradoura, salvaguardando o património.
12.
Concluindo:
Não perdiam a honra nem a dignidade os autores do projecto se aceitassem evoluir esta modelação interior da praça (que no estudo parece ser o que está errado) com a colaboração das achegas válidas que têm sido dadas, já que não se cumpre a legislação e não se obriga estas coisas a ser feitas com o regulamentar concurso, que é aquilo a que se obriga a cumprir ao comum dos mortais.
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Também será pena perder esta oportunidade para dar agora alma a esta nossa praça. Mas será ainda pior, na nossa época, cometer tamanha atoarda que, para além de nos envergonhar a nós, envergonha os autores de um plano grandioso que foi uma lição para o mundo, já lá vão 250 anos.
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O que posso resumir nisto: Perderam pelo caminho a noção de eficiência que eles tinham. Com este projecto a praça não vai sequer pretender desempenhar a função de uma praça, mas sim de um santuário do consumo (exactamente nos termos de uma dessas grandes superfícies comerciais, que se pode fazer em qualquer lado).
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Os Espanhóis percebem mais de praças que nós; não é o fazer, é o levar a vida à praça, fazer também a vida na praça, mesmo que numa cultura um pouco diferente.
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E nós merecemos ter alí uma praça com a alma do povo que somos - e não daquele para o qual querem fazer dali apenas um postal .
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Ferreira arq.

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